Estamos a fazer mal o Natal

Sou fã do Natal! Não pelo seu significado cristão à letra, do nascimento do filho de Deus, nosso salvador. Entusiasma-me pela ironia ...



Sou fã do Natal!
Não pelo seu significado cristão à letra, do nascimento do filho de Deus, nosso salvador. Entusiasma-me pela ironia de uma parte significativa da humanidade ter sido capaz de, através de um caminho violento, primário, sangrento, negro e trágico, criar uma crença que lhe proporciona anualmente a oportunidade de re-equacionar a sua lista de prioridades, de objectivos, de fontes de felicidade, que tornam a vida melhor e a ideia de que ela é finita menos insuportável.

Aaaah não, já não fazemos disso não é? Distraí-me...

Agora é tudo sobre 1) começar a comprar decoração lá para meados de Outubro, 2) bater perna no shopping para comprar prendas, 3) ter o presépio mais bonito, completo e real, 4) ir às missas todas que são devidas para não ficar atrás dos restantes membros da paróquia mas o pensamento estar na lista de compras e no planeamento das tarefas para que o bacalhau e o recheio de peru fiquem perfeitos, e o mais importante de tudo 5) pôr as crianças a fazer listas de presentes.

Há dois mil anos não havia listas de presentes. Há 500 anos não havia listas de presentes. Há 50 anos não havia listas mas talvez tivessem começado a haver presentes no Natal. Eram poucos. Uns frutos secos ou cristalizados, uns chocolates ou um brinquedo com sorte. Experimentem dar uma saquinha de cerejas cristalizadas a uma criança e vejam em quanto tempo elas vos acertam de volta na cara.

Gostava de saber quem foi a alma iluminada que teve ideia de dar presentes a toooodo o nosso círculo de família, amigos e conhecidos. Deve ter sido um descendente de quem inventou a depilação. Estes génios das obrigações sociais...
À conta de alguém ter decidido que era giro dar prendas a meio mundo, temos hoje uma máquina que se alimenta do consumismo natalício. Há todo um ramo do mercado que trabalha o ano todo para facturação pré-Natal. Anda tudo feito tolo durante um mês a arrancar a saca-rolhas dos miolos ideias para oferecer "lembrancinhas" a 1000 pessoas. Depois claro, a mente do tuga é criativa e poupadinha, aproveitam-se coisas que nos deram e nunca usámos, compramos aquelas tretas que vendem nas lojas fabricadas propositadamente para esta época a preços acessíveis porque não servem para nada, mesmo nada. Tudo para podermos dizer: Estás a ver? Pensei em ti!

Não vou ser hipócrita e dizer que não compro prendas no Natal. Claro que sim, e adoro receber prendas também! Mas da família próxima que me conhece e me dá coisas do meu agrado sem eu ter de dizer nada. Há muitas prendas que recebemos durante a vida que sabemos que foi só mesmo algo por obrigação. E claaaaro que adoro ter a casa decorada, fica tipo christmas wonderland. Mas a decoração há-de ser a mesma nos próximos 50 anos (espero eu que dure tudo isso).
E também claaaaaro que adoro música natalícia e alguns filmes, mas por terem o tal efeito apaziguador ou inquietante (depende do que cada um precisa), relativizador e renovador de que falei há pouco. Para mim o Natal surte o mesmo efeito que as tragédias da vida com que lidamos durante o resto do ano, só que em vez de um baque repentino que esmaga as entranhas fá-lo em dourado e vermelho, rabanadas, corais que aquecem a alma, e duendes com meias às riscas.

Três dicas que vos dou para ver se alteramos estes maus hábitos criados recentemente:

1) Apostem mais nos cozinhados do que nas prendas. Estou a ver a minha geração com muito pouca participação na refeição natalícia, e isso vai fazer com que dentro de umas décadas se deixe de comer o belo do bacalhau, o belo do peru recheado como a avó sabe fazer, e aquelas maravilhas culinárias que dão tanto trabalhinho a fazer e que nós só gostamos é de comer =P

2) Na família maior ("dos avós para baixo") fazer um sorteio de amigo secreto para distribuição de presentes com um limite inferior e superior de custo, e se estiverem para aí virados escolher um tema que todos terão de respeitar. O objectivo será criar situações engraçadas no convívio entre a família e diminuir consideravelmente o recheio do sapatinho.

3) Troquem as horas no shopping por horas de participação num projecto de solidariedade - BOLSA DO VOLUNTARIADO; ou troquem o dinheiro das prendas por doações a causas que vos dizem algo. Há centenas de entidades a necessitar de apoio: Ami, Banco Alimentar, Nariz Vermelho, Cruz Vermelha, Makeawish, Unicef, Acreditar, Ajuda de Berço, APAV, etc, e tantas outras entidades de apoio locais.


Acho que devíamos acabar com as trocas de presentes durante uns 10 anos. Aposto que as crianças iam voltar a adorar cerejas cristalizadas!

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1 comentários

  1. :D :D :D Fizeste-me rir..., o que é, só por si, uma bela prenda - e eu adoro prendas, mas daquelas feitas/compradas a pensar em mim :) Por isso, cada vez demoro mais tempo a comprar prendas, porque tento que sejam personalizadas, ou a fazê-las

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