Bailarices
ANASTASIA | louco | ousado | aflitivo | brilhante
07:26:00
Como anunciei no post TEMPORADA 2016/2017 dia 2 de Novembro foi dia de ANASTASIA.
Um bailado de um acto criado por Kenneth McMillan em 1967, em Berlim, mas que se prolongou para um ballet de três actos em 1971 quando Kenneth assumiu a direcção criativa do Royal Ballet.
Como é já dado pelo nome, este bailado foi inspirado pela história verídica de Anna Anderson, uma mulher alemã que estava convencidíssima que era Anastasia, a filha mais nova dos Romanov, última dinastia imperial da Rússia, que tinha sido assassinada pela mão dos bolcheviques na revolução em 1918.
Uns anos após a morte de Anna, em 1991 foi descoberta uma vala onde tinham sido enterrados os corpos da família Romanov. E não é que estavam de facto em falta os corpos de dois membros do clã, Anastasia (ou uma das outras irmãs) e Alexei (o filho mais novo)? Uou! Querem ver que afinal a Anna não é tola, e tolos somos nós?
Noup, os corpos em falta estavam tacticamente enterrados noutro local e foram descobertos passados uns anos, em 2007. Com exames de ADN provou-se serem os membros da família em falta, e percebeu-se também que Anna Anderson, não só não era Anastasia, mas era nada mais nada menos do que a polaca desaparecida Franziska Schanzkowska. Trocando por miúdos:
1) Surge na Alemanha uma mulher que inventa diversos nomes pois não quer assumir a sua identidade, até que se autoclama de Anna Anderson;
2) Anna Anderson diz ser Anastasia, filha mais nova dos Romanov que foi morta juntamente com a sua família;
3) Afinal Anna Anderson é de facto Franziska, uma operária polaca que desapareceu e que apresentava um historial de patologias mentais.
Que grande panca miúda!
Claro que em 1971 não se sabia se Anna era doida ou não, pelo que o bailado deixa tudo em aberto para que o espectador acredite ou não na panca da senhora. É um bailado avassalador. Junta dois actos clássicos que recriam a vida da família Romanov até à sua morte pela mão dos bolcheviques, e um terceiro (o original de 1967) louco e com fortes influências do expressionismo alemão, que retrata a vida de Anna Anderson internada no sanatório por estar convencida que seria Anastasia. É super importante ter em conta que o último acto, que ainda hoje nos incomoda, foi criado em 1967 e apresentado aos britânicos em 1971. Não estavam mesmo preparados para ver tal coisa. Kenneth era um coreógrafo muito criativo e cheio de coragem para espicaçar assim o povo britânico da época.
Tecnicamente falando é um bailado de inacreditável dificuldade, que não transparece de todo para um espectador menos atento ou letrado na área. Tem uma infinidade de grandes pas de deux, sendo o do segundo acto o mais espectacular de todos. E claro, foi executado pela minha preferida Marianela Nuñez e pelo Federico Bonelli. É um pas de deux que não tem a exuberância visual de um Lago dos cisnes, mas que é tãaaaao mas tãaaaao difícil de execução. Muitas elevações com muito pouco impulso, muitas rotações/piruetas diferentes do "tradicional" com centros de massa esquisitíssimos, muitas piruetas diferentes e em sentidos opostos no mesmo ciclo e sobre a mesma perna de apoio que pedem uma força abdominal e na perna de apoio surreais, muitos equilíbrios de difícil mestria, pouquíssimos passos de preparação ou apoio antes de qualquer passo difícil tecnicamente. Não há intervalos, são umas coisas atrás das outras, tudo ligado, não há pausa para dois passinhos e respirar antes da próxima pirueta, ou elevação, ou equilíbrio. Sai da pirueta vai directa para equilíbrio, vem da elevação directa para pirueta... Ufa! E não houve falhas, com a Marianela nunca há.
Uma das personagens que me cativou bastante nos dois primeiros actos foi o Rasputin, interpretado pelo Thiago Soares. Aaaaai que coisa mais sombria e que dá arrepio na espinha. Super feliz no fim do segundo acto!
O terceiro acto é tenso e dramático, espinhoso e provocador, louco e tortuoso. Passamos de uma Anastasia jovem em família, na plenitude da sua inocência, para uma Anna louca torturada num hospício. É uma longa jornada para a bailarina criar estas duas personagens tão opostas no espectro. Deve ser o fruto mais apetecido para uma bailarina. E caiu que nem uma luva à Natalia Osipova, que pelo que me apercebi é a primeira russa a interpretar e dançar esta personagem. Acho que especialmente no terceiro acto não haveria na companhia melhor escolha de cast para assumir aquela loucura necessária.
Espectacular, ousado, diferente, atrevido! Adorei!
We're all mad here!
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