Bailarices
Lago dos Cisnes . Coliseu do Porto . 6 de Maio
11:38:00
Cuca Anacoreta é professora de ballet e fundadora da Escola de Ballet do Porto (aqui), e conta com o apoio da Sofia Alves no quadro de professores. Produzem anualmente um grande bailado de repertório clássico em salas de espectáculo portuenses igualmente grandes, como a Casa da Música e o Coliseu. O escolhido este ano foi mais uma vez o incrível Lago dos Cisnes, e claro sem dispensar a já fiel parceria de grande amizade com a Escola Domus Dança (aqui) da Sílvia e do Alexandre, que já tive o prazer de vos apresentar aqui.
Como sou uma felizarda e conheço a Cuca desde os 9 anos, e a Sofia, Alexandre e Sílvia desde os 12, foi-me concedido um tempo de entrevista para vos desvendar tudo o que se passa por trás das cortinas de um palco para tornar real uma produção desta dimensão. Espero que ao fazer-vos ver de mais perto o ballet como arte, consigam perceber a complexidade e beleza por trás da leveza que transparece em todos os movimentos!
A viagem começa...
Porquê o ballet?
[Cuca] Eu acho que o ballet na arte da dança é sem dúvida a base. Portanto quem aprende ballet, quem sabe dançar ballet, depois consegue dominar as outras áreas da dança com muito mais facilidade, com muito mais elegância, com muito mais controlo, com muito mais rapidez.
Qual é a missão da EBP?
[Cuca] Acho que tem uma grande missão para conseguir ensinar com qualidade o ballet clássico acima de tudo, que para mim é realmente a base da dança; criar o gosto da dança nas alunas desde cedo; e sermos fiéis a estes valores do ballet que são o rigor, a disciplina, a elegância, a arte. A arte de dançar.
O que é preciso para saber dançar ballet além da técnica?
[Cuca] Além da técnica mesmo do ballet clássico ensina-se sem dúvida a saber interpretar, saber sentir o que se está a dançar. Dançar-se com o coração. Eu digo muitas vezes isso, dançar com a alma é muito importante. Ir para um lado muito do sentimento. Saber interpretar as várias personagens, e interpretar aquilo que estamos a sentir. A musicalidade é importantíssima. Aprende-se muito no ballet a ser-se musical. A saber apreciar a música.
O que é que o ballet traz a quem pratica que se aplica transversalmente a outras áreas da vida?
[Cuca] Para mim o ballet é uma escola de vida. Portanto um bocadinho aquilo que estava a dizer: é o rigor, a disciplina, o controlo dos movimentos, o controlo da nossa maneira de estar, a elegância dos movimentos, uma postura corporal correcta que eu acho que para uma vida normal, mesmo para quem não é bailarino é importantíssimo.
Há cada vez mais ou menos gente a praticar ballet?
[Cuca] Eu acho que há mais. Acho que também há mais porque felizmente está mais democratizado. Quando eu era pequenina era muito caro o ballet e havia poucas escolas. Cá no Porto então nunca houve, e ainda não há, conservatório, as escolas são todas privadas. Felizmente hoje em dia há muitas escolas o que democratiza mais o acesso a estas actividades, porque também há outra facilidade de chegar às coisas. E também em termos financeiros é muito mais acessível para os pais.
Há cada vez mais ou menos gente a desistir do ballet?
[Cuca] Acho que há ali uma idade mais difícil que é a idade da adolescência em que os alunos vacilam muito. Porque têm que colocar na balança se querem ir para a escola e para as aulas treinar treinar treinar, quando o nível de exigência já é grande, ou se vão com os amigos fazer outras coisas. Por isso há uma idade muito difícil em que embora eles tenham potencial e facilidade, o trabalho tem de ser diário e de algumas horas e portanto muitas vezes desistem.
Qual acham que será o futuro do ballet quando os jovens cada vez menos percebem que a excelência só vem com sacrifício?
[Cuca] Eu acho que continua a ser para uma minoria. Acho que temos futuro e felizmente vamos tendo no Porto muitos alunos muito dotados, que deviam ser muito mais acarinhados do que são. Em Portugal também claro temos grandes talentos e era importante acarinhá-los. Mas de qualquer maneira acho que o futuro do ballet clássico em Portugal continua a ser uma minoria infelizmente. É sempre muito mais visível o futebol, e é uma pena.
Não há companhias de ballet porque não há público? Ou não há público porque não há companhias de ballet?
[Cuca] Eu acho que é um bocadinho um misto das duas. Mas de qualquer maneira acho que nós educamos o público, nós podemos ter este papel de educar, e portanto o haver companhias, haver espectáculos e haver propostas é muito importante para as pessoas quererem ir e habituarem-se a ir.
Como se consegue chamar mais espectadores às salas para assistir a bailados? Numa altura em que andamos com o mundo no bolso, acham que as redes sociais são o "truque" para a comercialização do ballet?
[Cuca] Os meios de divulgação são importantíssimos. Mas acho que temos sempre que ver numa perspectiva de longo prazo. Temos de educar muito mais a faixa etária mais nova a saber ir a um espectáculo, a habituar-se a ir a um espectáculo, para serem público um dia mais tarde. É por isso que penso que as escolas de ballet têm um papel muito importante quando fazem espectáculos, quando convidam os pais e o público a ir assistir. Claro que numa fase inicial quando são pequeninos o objectivo é ir ver o filho(a) a dançar. Mas ao ir ver o filho(a) a dançar está a educar-se o irmão, a tia, a família, os amigos. E o menino(a) que está a dançar também um dia há-de ser público. Eu dou sempre o exemplo do meu filho mais velho que é rapaz e que ia sempre contrariado ver os espectáculos da mãe. Mas eu não lhe dava hipótese. Não sei, só o futuro o dirá, mas se calhar eduquei o meu filho ,apesar de ser rapaz, a apreciar e a perceber que é importante ir ver bailados, concertos de música, e a ser público.
Quais são as actividades envolvidas no planeamento de um espectáculo? Como decorre o processo?
[Cuca] Ui, muitas! (hahaha) Costumo dizer que são muitas artes cénicas que se cruzam. Muitas artes a fervilhar ao mesmo tempo. Desde o ballet - a dança, a música, os cenários, os figurinos, os técnicos de som, de luz, o desenho de vídeos... Tudo com gente diferente e entidades diferentes.
Temos trabalhado muito com instituições como a ESAD que para este bailado colaborou no desenho dos figurinos com o curso de Design de Moda com a orientação da Maria Gambina. E foi fantástico! Claro que isto tem de ser preparado muitos meses antes porque há o contacto com os alunos. A professora Maria Gambina propôs isto aos alunos, eles têm de pensar nos figurinos, no desenho, perceber os vários figurinos e as personagens, perceber a história do bailado. Vão buscar muita informação que os vai inspirar no desenho. Depois de termos o portefólio dos figurinos temos de partir para a produção. A produção tem de escolher e comprar tecidos. Muitas vezes os materiais não se adequam. Depois passa para as costureiras para tirar medidas, fazer provas... Escolher o adereço que também no ballet clássico e em palco é importantíssimo, o adereço de cabeça. Portanto, só a parte dos figurinos é um mundo e dá muito trabalho.
Os cenários têm sido com o grupo de Oficina de Artes do Colégio Luso-Francês onde tu andaste e onde eu trabalho há muitos anos. São feitos com orientação da Professora Alexandra Tomé que tem feito um trabalho excepcional. Este ano acho que espera uma grande surpresa para o cenário. Está fantástico!
Nos vídeos também têm sido os alunos de multimédia da ESAD. E é sempre uma coisa que preenche o cenário, o facto de ter vídeos.
O que vos dá mais prazer ao montar um espectáculo como estes, e em salas como Casa da Música ou Coliseu?
[Cuca] Eu acho que é tudo. O espectáculo é imenso stress, imensa adrenalina, portanto não sei se me dá propriamente prazer, haha. Eu acho que a preparação toda, os ensaios, o ver crescer as coreografias, ver os alunos a melhorar tecnicamente, o ver chegar o desenho dos figurinos, depois ver o figurino pronto, os cenários... Eu confesso que embora dê muito trabalho o que me dá mais prazer é fazer crescer este projecto. E depois vê-lo a chegar ao palco é conseguir concretizar aquilo que se foi idealizando meses e meses. O próprio dia é tão stressante, com tanta adrenalina, que parece que não se aproveita tanto.
O que é que a parceria EBP e EDD acrescentam em valor a cada uma das escolas? Aproveito já para dar os parabéns, pois é algo inédito. Acho que esta competitividade contribui negativamente para a comercialização do ballet.
[Cuca] A parceria não é muito comum de facto. É fantástico, é mesmo inédito, é único. Não é nada comum, não é nada normal, infelizmente. Nem percebo bem porquê, mas realmente há muita competição. Então no Porto, como é uma cidade pequena já com muitas escolas, as pessoas competem muito. Mas não só no Porto, em todo o lado. Acho que infelizmente no ballet, e se calhar na arte em geral, as pessoas são muito mesquinhas e competitivas e só estão bem quando o outro está mal.
Esta parceria surge porque a Sílvia e o Alexandre são meus amigos pessoais há 20 anos. Dançámos juntos e por isso temos aqui muita cumplicidade e amizade uns com os outros e se calhar é possível por isso. Mas acima de tudo porque também temos valores que tornam isso possível.
A EDD é uma escola fantástica com alunos com um talento incrível que trabalham de uma maneira muito profissionalizante, quase como um conservatório. E para nós é uma mais valia ter alunos assim tão bons a fazer papéis principais e a entrarem com alguns alunos no corpo de baile. Acho que nós também somos uma mais valia para a EDD porque é uma escola mais pequenina e tem oportunidade de dançar em salas como o Coliseu e a Casa da Música que de outra maneira não teria. E porque tem visão e percebe que é importante haver estas ligações e que só é positivo.
Quantos alunos irão participar no espectáculo este ano?
[Cuca] 240.
[Eu] Eh lá!
(risota geral ehehe)
Em que intervalo de idades?
[Cuca] Entre os 4 e os 40 anos. Temos também o ballet adulto mas não deve ter ninguém mais de 40.
Qual a diferença de treino para memorização da coreografia de uma criança de 4 anos e de uma adolescente ou uma adulta? A pedagogia associada deve apresentar desafio acrescido.
[Cuca] Eu sou suspeita porque eu adoro as pequeninas. Por isso para mim é um prazer poder ensaiar 25 patinhos, 25 pirilampos, 25 nenúfares, e mais não sei quantas personagens de alunas pequeninas (hahaha). E para mim é um prazer. E também é uma sorte ter a Sofia do meu lado que tem imenso jeito com os pequeninos e sabe-lhes transmitir confiança. Com os pequeninos temos de ter muita paciência, calma, tranquilidade e dar-lhes segurança. E para isso é preciso repetir, repetir, repetir, até conseguirem ficar seguros e fazerem sozinhos. Nos nossos espectáculos os pequeninos desde os 4 anos dançam sozinhos em palco. Uma coisa que eu noutras escolas não vejo muitas vezes. Eu vejo frequentemente os pequeninos a fazer coisas simples com uns alunos maiores à frente para demonstrarem. Eu acho que é muito importante dar-lhes a oportunidade de crescerem e serem autónomos. Claro que às vezes há uns enganos mas faz parte.
O que vos passa pela cabeça mal acordam de manhã no dia do espectáculo?
[Cuca] (risota hahahah) Vou fugir! É hoje que eu fujo. Socorro! Não sei, diz tu Sofia. A Sofia é muito calma, muito tranquila, transmite-me muita calma. Eu sou mais histérica, mais eléctrica.
[Sofia] Por acaso acordo muito tranquila. Acho que nesse dia é quando uma pessoa tem de sentir que o trabalho já está feito, está tudo impecável, vai correr tudo bem. E depois é aproveitar o momento. Claro que há sempre stresses de bastidores e coisas de última hora que não estão prontas e que naquele momento se tem de resolver. Mas acima de tudo acho que antes do espectáculo eu sinto que o dever já foi cumprido. Não é depois. E tenho sempre espírito positivo e de que as coisas vão correr bem.
E naqueles segundos antes de começarem os primeiros acordes?
[Cuca] Ui! hahaha!
[Sofia] Aí as minhas mãos começam a transpirar! Só! Começo a sentir coisas físicas...
(risota geral hahahahahahaha!)
[Cuca] E o coração a bater. O coração bate com força. Mas ao mesmo tempo também é um bocadinho o sentimento de: a missão já foi cumprida antes...
[Sofia] ...e agora é desfrutar o momento e desejar que tudo corra bem e que toda a gente que está a participar no espectáculo dê o seu melhor. Tanto nós professoras a fazer o trabalho de bastidores como a parte técnica dos músicos, das luzes, cenários, e bailarinos não é????
Porquê a reposição do Lago dos Cisnes?
[Cuca] Porque o Lago dos Cisnes para mim é dos bailados tecnicamente mais difíceis. E na parte interpretativa também. Exigiu o ano passado muitos meses de preparação e de ensaios, e fazer um só espectáculo soube a pouco. Portanto parecia que havia mesmo a vontade de fazer render aquele trabalho todo que tínhamos tido no ano anterior, fazer render as aprendizagens que os bailarinos fizeram... Mostrar mais uma vez! E depois confesso que fiquei... Bem, eu sonhava com um bailado com orquestra ao vivo. Há anos! Mas achava sempre que não ia ser viável porque exige muitos ensaios, exige muita logística. Financeiramente é uma brutalidade e um esforço e investimento enormes. Mas acho que este ano se juntaram as duas coisas: a vontade de pôr mais uma vez em palco um bailado que acho que correu muito bem o ano passado, e ter esta novidade da orquestra que tem todo o sentido ser com o Lago dos Cisnes porque a música de Tchaikovsky é lindíssima neste bailado.
Que desafio acrescido traz este novo parceiro que é a Orquestra Clássica do Centro?
[Cuca] Ui!
[Sofia] Ui!... Ui!... Não há nenhuma escola que faça bailado com orquestra. Nem muitas companhias. Portanto o desafio é esse mesmo. É conseguir pôr as alunas a dançar, a interpretar, com aquela beleza da música ao vivo e da orquestra. Mesmo para as crianças vai ser um desafio muito grande que acho que elas nunca se irão esquecer. É marcante!
Como é que se ajuda aquelas pessoas que não têm ouvido e que já se habituaram ao CD e áqueles tempos e que de repente têm uma orquestra a tocar ao vivo com compassos e tempos diferentes?
[Sofia] É preciso ensaiar. Exige trabalho. E faz-nos vir a Coimbra ensaiar.
[Cuca] Exige trabalho e sacrifício e nós é que nos deslocamos a Coimbra porque a orquestra é de Coimbra. Mas ao mesmo tempo acho que vai ser tão enriquecedor. E eu faço sempre a comparação com as aulas de ballet. É completamente diferente ter uma aula de ballet com um cd a tocar ou com pianista ao vivo. Portanto nem quero imaginar como será ter uma orquestra com todos aqueles instrumentos ao vivo. Acho que vai ser tão especial e tão diferente que os alunos também vão ouvir e vão rapidamente adaptar-se se houver alguma orquestração ou algum ritmo que não esteja tão parecido com aquilo a que estão habituados.
O que esperas que o público saia do Coliseu a sentir ou pensar, para além do orgulho no familiar que participa?
[Sofia] Orgulho claro mas até mais surpreendidos. Porque quando uma pessoa sai surpreendida com um espectáculo é porque superou as expectativas. Esperemos que saiam todos de boca aberta. E que seja uma boa surpresa.
[Cuca] E aproveito para, já que estamos com alguns dias em falta para o 6 de Maio, apelar a irem a este espectáculo porque realmente é fantástico ter orquestra e precisamos de público para ser sustentável.
Normalmente os bilhetes são comprados por familiares/amigos dos artistas. Achas que é igualmente um bom programa para quem não tem qualquer vínculo afectivo com os participantes?
[Cuca] Eu acho que sim. Pela orquestra sem dúvida, pelo bailado em si que é lindíssimo, pelos bailarinos principais que são fantásticos, pelo corpo de baile que é muito fiel ao repertório clássico. Claro que depois também vão ver crianças a dançar mas isso também pode ser encantador. Acho que é um espectáculo para ir ver.
Acham que saem mais ricas do Coliseu no fim dos espectáculos? Que são estas as histórias mirabolantes que vão contar aos filhos e netos quando forem velhinhas?
[Cuca] hahaha. Claro!
[Sofia] Claro que sim. Eu acho que vai fazer sempre parte da nossa história de vida. E estes momentos hilariantes, e outros de grande adrenalina são o que faz o coração bater.
[Cuca] Acho que são momentos inesquecíveis e que nós só temos a ganhar com isto. E nós aprendemos muito convosco, bailarinas. Portanto não somos só nós que ensinamos, mas também aprendemos muito.
Os bilhetes podem ser comprados no Coliseu do Porto ou na Escola de Ballet do Porto.
Bilheteira:
2ª a Sábado das 13h às 20h30
Domingos e feriados está encerrada
Telefone: 22 339 49 40
Escola:
2ª a 6ª das 16h30 às 20h30
Sábados das 10h30 às 14h
Domingos e feriados está encerrada
Telefone: 22 616 90 31
Bons bailados! ;)
4 comentários
Muito bom :)
ResponderEliminarObrigada Jo =)
EliminarEstá o máximo Inês! Parabéns!
ResponderEliminarObrigada! No dia do espectáculo entrevisto-te e às outras bailarocas =)
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